Tóquio - Durante a prolongada pandemia do coronavírus pelo mundo, as máscaras de tecido se tornaram itens essenciais no uso cotidiano de várias pessoas de todos os países. Mas a sua história no Japão não é amplamente conhecida pelas pessoas.
As polêmicas máscaras "Abenomasks", distribuídas gratuitamente no Japão em 2020. Foto: The Mainichi.
Um repórter do jornal Mainichi conversou com Tamotsu Hirai, 69 anos, um farmacêutico da cidade de Tachikawa, Tóquio. Hirai também é chefe da Associação dos Farmacêuticos de Kitatama e coleciona máscaras antigas há mais de 20 anos.
Olhando para a enorme coleção de máscaras de Hirai, que começa da Era Meiji (1868 - 1912) e vai até a Era Showa (1926 - 1989), a entrevista foi uma interessante história sobre a relação da sociedade japonesa com as máscaras.
A primeira máscara que o senhor Hirai mostra ao repórter, é um modelo feito na Era Meiji. A máscara estava armazenada numa pequena caixa de papelão e sua tampa é decorada com desenho de um homem trajando roupas japonesas. Embora seja bem pequena, a máscara é um pouco pesada. O seu interior é forrado com tecido vermelho e com barras de metal alinhadas por dentro.
Máscara feita no Japão no período Meiji (1868-1912). Parte da coleção de Hirai. Foto: The Mainichi.
Segundo Hirai: "Esta é talvez a máscara para os consumidores em geral mais antiga que se tem notícia no Japão. Em 1879 (ano 12 do período Meiji), um antigo vendedor de equipamentos médicos com sede em Tóquio, publicou um anúncio de jornal chamando a máscara de 'aparelho respiratório'. Esse modelo que tenho em minha coleção, parece ser do mesmo período da publicação do jornal. Naquela época, as máscaras eram itens importados. O anúncio da máscara no jornal diz que o modelo é bem feito e acessível. Aparentemente, o usuário teria que colocar gazes na região da boca para cobri-las com a máscara."
O termo "máscara" (massukô, em japonês) começou a ser difundida pela grande maioria dos japoneses após a pandemia da gripe espanhola nos anos de 1918 a 1920 (anos 7 a 9 da Era Taisho). Foi então que surgiu as máscaras de tecido com nervuras e os filtros internos passaram a ser de material celulóide (plástico) invés de metal.
Máscaras produzidas durante a pandemia da gripe espanhola (1918-1920). Foto: The Mainichi.
"A demanda aumentou e alguns fabricantes aproveitaram para aumentar os seus preços. Como as máscaras vendidas no mercado não eram suficientes para atender a todos, os setores privado e público trabalharam juntos para recomendar às pessoas o uso de máscaras feitas à mão", explicou Hirai.
Quando a sociedade japonesa finalmente se acalmou após a pandemia da gripe espanhola, surgiram máscaras de alta qualidade feitas de veludo e couro, ao contrário das comumente encontradas no mercado. Na coleção, uma das caixas de máscaras mostra uma mulher com um chapéu bege e uma máscara da mesma cor. Sobre o tipo de máscara, Hirai disse: "Com o dinheiro de hoje, uma máscara dessa custaria cerca de 3.500 ienes (cerca de US$ 32,15). Provavelmente era um tipo de máscara que simbolizava o status da época. A máscara tem aparência afiada, parecida com bicos de criaturas do folclore, como Goblin (espécie de duende verde) e Karasu Tengu (criatura do folclore japonês com corpo de humano e cabeça de corvo). Para esse modelo, eu dei o nome de máscaras do estilo Karasu Tengu."
Máscaras produzidas no final do período Taisho (1912-1926). Elas foram artigos de moda da época. Foto: The Mainichi.
Na época em que o Japão entrou na guerra, surgiu no mercado as "máscaras patriotas". O modelo era feito com uma única camada de gaze fina e com cordões presos. De acordo com a embalagem que acompanha esse modelo de máscara, é dito o seguinte: "Os resfriados estão chegando! Prepare-se para emergências e proteja-se com um salva-vidas."
O que Hirai disse sobre as "máscaras patriotas": "É uma mudança muito significativa. No primeiro momento da história, buscou-se a funcionalidade das máscaras. Em seguida, as máscaras tornaram-se itens da moda. Com a chegada da guerra, a escassez de materiais levou a fabricação de máscaras baratas de gaze simples. No final da guerra, com o Japão derrotado, as máscaras de gaze ainda continuaram como a principal opção para a população japonesa."
Máscaras simples usadas durante a guerra. Foto: The Mainichi.
Na coleção do farmacêutico, também inclui pacotes de remédios para resfriados vendidos por vendedores porta a porta no período pós-guerra, originários principalmente na província de Toyama. "A maioria das embalagens inclui imagens de mulheres mascaradas. O termo de beleza mascarada até chegou a ser usado na época", disse Hirai.
Pacotes de remédios para resfriados vendidos no período pós-guerra com imagens de mulheres mascaradas. Foto: The Mainichi.
O repórter do jornal perguntou ao colecionador quando iniciou a tendência das máscaras descartáveis no Japão: "Da década de 80 em diante. Nessa época, as alergias ao pólen se tornaram comum em todo o país. As máscaras descartáveis foram bem aceitas pela sociedade japonesa porque são convenientes e limpas (tira a embalagem plástica e, depois do uso, joga a máscara no lixo)."
Tamotsu Hirai formou-se na escola de farmácia da Universidade de Kita-Sato. Enquanto administrava uma farmácia em sua cidade natal, ele também visitava vários mercados de antiguidades em diferentes áreas.
Tamotsu Hirai com uma das máscaras da sua coleção. Foto: The Mainichi.
"Embora eu pesquise a história da medicina e dos materiais de higiene em geral, a pessoa só vai ter noção de como eles são, assim que estiver com os produtos em suas mãos. Não são apenas máscaras que possuo. Tenho mais de 20.000 itens na coleção, incluindo letreiros e outras coisas. Alugo dois lugares para guardar todos os meus objetos da coleção", disse Hirai.
O repórter também perguntou a Hirai se ele tinha algum rival, alguém que tem o mesmo tipo de coleção que ele faz. Ele respondeu um "Não" naturalmente.
Hirai também foi entrevistado pela mídia alemã sobre a sua coleção. Sobre isso, ele disse: "Parecia que os alemães estavam muito interessados sobre a cultura das máscaras do Japão. Há muito tempo que o país tem o costume de esconder a boca com papel japonês durante os rituais xintoístas. E também, há a tendência de usar capuzes que cobrem a cabeça e a boca.
Numa impressão em xilogravura colorida nishiki-e do período Edo (1603 - 1867), é retratada uma clínica médica japonesa da época. A obra, que mostra alguns dos tratamentos médicos daquele tempo, inclui um homem usando uma toalha de mão sobre a boca. Segundo o colecionador, essa tradição de cobrir a boca já existia no passado, levando a crer que os japoneses já estavam acostumados com o uso de máscaras.
Uma impressão em xilogravura colorida nishiki-e de uma clínica da época do período Edo (1603-1867). Foto: The Mainichi.
"Na área política, os governadores de diferentes províncias também usam máscaras associadas a uma especialidade da região governada por eles. O uso de máscaras não se trata apenas de prevenir infecções, mas também observar com atenção ao design delas. O Japão é o único lugar no mundo em que as coisas são assim", disse Hirai.
Na última parte da entrevista, o repórter perguntou a Hirai se ele adicionou na sua coleção as polêmicas máscaras "Abenomask". As Abenomasks foram distribuídas gratuitamente para todos os residentes no Japão em 2020, durante o governo do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe. "No momento, elas estão inclusas na minha coleção", disse Hirai.
Nikkey ON!: o texto é tirado de uma entrevista feita por um repórter do jornal japonês Mainichi. Alguns trechos relatados na entrevista de Hirai, são frutos do conhecimento e de opiniões pessoais do colecionador aos seus objetos antigos. Para mais informações, sugiro aos leitores do blog procurar por outras fontes de pesquisa sobre o assunto desta matéria.
Fonte: The Mainichi.