Cracóvia - No dia 14 de março, uma refugiada ucraniana decidiu caminhar pelos campos de Korsczowa e se aproximou de uma cerca que separa a fronteira da Polônia com a Ucrânia. Um mês se passou quando ela resolveu atravessar a fronteira dos dois países, escapando da invasão russa na cidade onde vivia. Agora, através da cerca, ela observa o outro lado e pensa o quão perto está da Ucrânia. Mas, ao mesmo tempo, tudo parece tão longe. E então, ela começa a chorar.
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A refugiada Olha Rumiantseva posa para uma foto perto da fronteira da Polônia com a Ucrânia, em 14 de março. O local fica em Korczowa, leste da Polônia. Foto: The Mainichi. |
A "refugiada da cerca" é a ucraniana Olha Rumiantseva (27 anos), nascida na península da Crimeia, sul da Ucrânia. Ela nasceu em 1994, três anos depois da queda da União Soviética. Seu pai é de origem siberiana, na Rússia, e sua mãe, originária da cidade de Odessa, no sul da Ucrânia.
Quando jovens, os pais de Rumiantseva se estabeleceram na Crimeia. Desde criança, a pequena Olha sempre utilizou a língua russa para se comunicar dentro de casa e na escola também.
Em 2012, Rumiantseva decidiu continuar estudando em uma universidade da capital ucraniana Kiev. No início, a moça começou a sentir dificuldades no novo ambiente, porque ela não dominava a linguagem ucraniana. Aos poucos, a sua habilidade em falar ucraniano melhorou muito, através de conversas com os novos amigos de estudos.
Quando Rumiantseva ainda estava na universidade, a sua terra natal (a Crimeia) foi anexada com a Rússia, em 2014. Isso se tornou um divisor de águas para sua família. Uma política de assimilação russa foi implementada na Crimeia e os transportes de trens dessa região, até a cidade de Kiev, foram abolidos. Postos de controles de fronteiras foram estabelecidos entre as duas regiões e tornou-se difícil visitar a família. Antigamente, a moça conseguia viajar para a casa de seus pais de 3 ou 4 vezes por ano.
O tempo passou, Rumiantseva terminou a universidade, arranjou um emprego na cidade de Kiev e casou-se com um ucraniano. Cada vez mais, ela sentia a sua identidade ucraniana se solidificar, contrariando o seu pai que continuava vivendo na Crimeia.
Nunca Rumiantseva imaginou que a Rússia atacaria a cidade de Kiev. Na manhã do dia 24 de fevereiro, uma sirene de alerta de ataque aéreo disparou de repente. Para se proteger, ela precisou evacuar ligeiramente até um porão de um pequeno teatro, perto do apartamento onde morava. E toda vez que a sirene tocava, ela corria para o abrigo do teatro.
Em 25 de fevereiro, um amigo de Rumiantseva a telefonou perguntando se ela gostaria de fugir de carro, junto com outras pessoas, para a Polônia. Ela tinha que decidir rapidamente, pois o seu amigo partiria em 30 minutos para a longa viagem. Nos primeiros instantes, ela pensou em não ir porque o seu marido ficaria sozinho na Ucrânia. Entretanto, com muita insistência, o seu marido a convenceu a partir apressadamente para a Polônia, estando mais segura longe dos bombardeios na cidade de Kiev.
"Antes de partir, o meu marido me disse que seria mais fácil para ele lidar sozinho com todas essas coisas acontecendo na Ucrânia", disse Rumiantseva. Ela juntou todas as suas coisas com muita pressa e seguiu viagem. Ela e seus amigos enfrentaram um grande engarrafamento até o posto de controle da fronteira polonesa, levando três dias e três noites para entrar na Polônia.
Quando finalmente Rumiantseva atravessou a fronteira internacional, ela não sentiu-se aliviada por fugir da guerra, mas ficou com muita culpa. Ela se culpou por deixar a Ucrânia naquele momento, enquanto muitas pessoas ficaram lá para proteger o país da invasão russa.
"Me senti tão culpada por fugir para a Polônia. Eu fiquei sabendo que muitos ucranianos, com crianças pequenas, ficaram na Ucrânia para defender o nosso país. E agora, estou me sentindo péssima por ser egoísta e por ter fugido sem ter filhos pequenos. Sou sozinha e adulta! Eu deveria ter ficado com o meu marido para lutarmos juntos em Kiev", lamentou Rumiantseva.
Os pais de Rumiantseva ficaram sabendo da guerra através dos canais de notícias da Rússia. Eles acreditam fielmente que o exército russo está na Ucrânia para salvar a sua filha e toda a sociedade ucraniana.
"Minha família não acredita que a Rússia está bombardeando as cidades da Ucrânia. Meus pais dizem que eu estou errada. Eles falaram para mim que o governo ucraniano está dizendo um monte de mentiras para o seu povo. Frequentemente, o meu pai repassa as notícias dos canais russos para eu ler em minhas redes sociais. As notícias da Rússia sobre a guerra são tão perturbadoras que eu não consigo ler tudo. Eu evito discutir com os meu pais e deixo isso para lá. Minha família se comunica com outras pessoas em várias redes sociais. Eu não quero perdê-los por causa de diferenças de opinião política", explicou Rumiantseva.
Neste momento, Rumiantseva está morando junto com um amigo em Cracóvia, cidade ao sul da Polônia. Querendo ajudar o seu país de origem, ela tem enviado itens de primeira necessidade (coisas de bebês/crianças e suprimentos médicos) para a Ucrânia. Ela faz esse trabalho com os mesmos amigos que vieram juntos para a Polônia. O marido de Rumiantseva também está trabalhando como voluntário, distribuindo as doações para os ucranianos que ficaram no país.
Rumiantseva disse que embora ela não tenha poder de parar um tanque de guerra sozinha, ela consegue fazer coisas importantes na Polônia. E, de modo igual, o seu marido também está fazendo as mesmas coisas que ela faz, só que na Ucrânia: fornecendo ajuda humanitária para aqueles que estão necessitados durante essa guerra.
"Estou decidida que um dia retornarei à Ucrânia. Não deixarei o meu país em ruínas. Farei o meu melhor para reconstruí-lo. E deixarei o meu país ainda mais bonito e mais brilhante do que era antes da guerra", disse Rumiantseva com esperança e convicção.
Fonte: The Mainichi.