Filme sobre um entregador de comida do Uber Eats explora a vida social e econômica de uma Tóquio dominada pela pandemia.
Tóquio - Durante o início da pandemia do coronavírus em 2020, um rapaz de 28 anos, sem renda e com apenas 300 ienes no bolso (cerca de US$ 3), decidiu mudar-se para Tóquio em busca de oportunidades.
Taku Aoyagi, entregador de comida e diretor de Tokyo Jitensha Bushi. Foto: Mainichi.
Chegando lá, ele se tornou um entregador do Uber Eats. Isso foi justamente no mesmo período do primeiro estado de emergência no combate à COVID-19, declarado pelo governo do Japão.
Pedalando com sua bicicleta pelas ruas de Tóquio, ele decidiu filmar a si mesmo durante as suas andanças pela capital, usando um smartphone e uma pequena câmera digital. Agora, a filmagem sobre o seu cotidiano se tornou um documentário que estreou este mês no cinema do Japão.
Taku Aoyagi, o entregador do Uber Eats e diretor de "Tokyo Jitensha Bushi", tinha esperanças de um dia fazer o seu próprio filme enquanto vivia na sua terra natal, na província de Yamanashi.
Na cidade em que nasceu, ele fazia trabalhos de produção de vídeos e tinha um emprego de meio-período como motorista. Mas quando a pandemia do coronavírus apareceu no Japão, Aoyagi acabou perdendo os empregos e ficou sem renda. Diante da situação complicada que estava passando, ele decidiu procurar trabalhos em Tóquio.
"Comecei a filmar pensando que talvez pudesse encontrar algo na perspectiva de um entregador que se movia livremente de bicicleta pela metrópole. Durante o estado de emergência, me interessei em filmar uma Tóquio sem suas multidões habituais", disse Aoyagi.
Através de um aplicativo para smartphones, os serviços de entrega de comida pelo Uber Eats são contratados por proprietários individuais, como bares e restaurantes. O Uber Eats foi lançado no Japão em setembro de 2016 e, desde o ano passado, tem visto um grande aumento na demanda de entrega de comidas durante o período da pandemia da COVID-19. Com mais pessoas presas em suas casas, fazendo trabalhos remotos pela internet, os serviços de entrega cresceram rapidamente. E com o aumento do desemprego durante a pandemia, mais pessoas começaram a trabalhar com entregas de comida por aplicativos.
"No início, eu tinha uma admiração pelo trabalho de entregador. Eu imaginava o entregador como um alguém que se conectava com as pessoas em Tóquio, dando à cidade um senso de humanidade durante o período de ruas vazias por causa da pandemia. Mas, na verdade, não era isso que acontecia. Descobri que só deixava as entregas na frente das portas dos clientes e raramente os via pessoalmente. Eu nem sei a quem os meus serviços ajudaram. Percebi que eu era apenas parte de um sistema maior", disse Aoyagi.
Cena do documentário Tokyo Jitensha Bushi. Foto: Pole Pole Higashi-Nakano.
No filme, Aoyagi enfrentou incidentes como pneus furados de sua bicicleta e a quebra do seu smartphone, necessário para receber pedidos pelo aplicativo e verificar mapas. As despesas com reparos eram quase iguais a seus ganhos diários. Além disso, ele ficou chocado ao descobrir que o seu serviço não tinha seguro para acidentes de trabalho.
"Mesmo que eu trabalhasse e ganhasse muito com entregas, não conseguia economizar. Assim que percebi isso, eu senti que éramos trabalhadores dispensáveis. Os empregadores não pensam na vida dos entregadores e nem os tratam como uma pessoa", afirma Aoyagi.
Aoyagi disse que a solidão começou a se instalar enquanto trabalhava. Ele enxergava isso como "a sua solidão sendo incorporado a um sistema em busca do lucro". No período que começou a sentir-se só, ele conheceu uma senhora idosa durante os intervalos das entregas. Conversando com a senhora, ela lhe contou as suas experiências no período da guerra e como a área em que estavam foi destruída com os bombardeios aéreos. Essa conversa fez Aoyagi dizer sem pensar: "Tóquio em 2020 também foi destruída pelo fogo".
Mais tarde, Aoyagi refletiu melhor a sua ideia filosofando: "Claro que na realidade nada foi destruído pelo fogo ou houve um desastre em 2020. Na realidade, todos os edifícios de Tóquio estão em pé. Mas, a situação de guerra atual é que mais e mais pessoas se sentem solitárias, assim como eu. As pessoas estão divididas por um sistema onde uma outra pessoa o criou. Assim, os corações das pessoas se endurecem para não aceitar essa dura realidade. A paisagem nas mentes das pessoas, cujos corações estão se fechando, se sobrepôs às palavras da senhora sobre uma cidade arrasada pela guerra. Logo pensei: algo terrível está acontecendo".
Kazuo Osawa, produtor do documentário, expressou a ideia de "queimadura" de Aoyagi em termos ainda mais duros, dizendo: "O que podemos ver no Uber Eats é um sistema que explora e escraviza as pessoas. Este é o limite do capitalismo. Os indivíduos estão sendo arrastados para o capitalismo e sendo deixados à sua mercê. É por isso que cada vez mais pessoas se sentem solitárias".
Aoyagi assegura que não tirou conclusões tão definitivas a respeito do trabalho de entregador. O Uber Eats tem um sistema de busca que oferece aos entregadores dinheiro extra para atingir determinados objetivos. "Alguém como eu que realmente trabalhou lá, entende bem o sentimento dos explorados. Havia momentos em que eu assumia agendas extremamente lotadas, fazendo 70 entregas em três dias para ganhar uma recompensa. Também é verdade que quem completar os objetivos terá uma sensação de realização e fará você sentir o seu dever cumprido. Com uma perspectiva obscura sob a pandemia, também entendo porque algumas querem sobreviver e consideram cada momento positivo gratificante", diz ele.
Embora o diretor Aoyagi tenha ficado chateado por não conhecer os clientes que atendia, o filme o mostra aproximando de pessoas e conversando ativamente com elas nas ruas de Tóquio. Ele gradualmente adquiriu uma visão dessa vida durante o filme, apresentando pequenas interações entre estranhos, com dicas de pessoas que podem aliviar um pouco a sua solidão.
Pôster do documentário Tokyo Jitensha Bushi. Foto: Pole Pole Higashi-Nakano.
Finalizando, Aoyagi disse enfaticamente: "Em primeiro lugar, gostaria que as pessoas gostassem de observar a paisagem urbana de Tóquio no documentário. Tentei descrever o que aconteceu comigo, incluindo à filmagem experiências muito reais. Ficaria feliz se as pessoas pudessem usar o meu documentário como um passo para pensar sobre a nossa sociedade de uma perspectiva mais ampla".
O documentário estreou no dia 10 de julho no cinema Pole Pole Higashi-Nakano, bairro de Nakano, em Tóquio. Em breve, a película será lançada em todo o Japão.
Fonte: The Mainichi.
Link do trailer oficial do documentário:
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