sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Voltar a estudar na terceira idade.

Japonês supera o analfabetismo e aprende a escrever uma carta de amor.


Nara - Passar uma boa parte da vida sem saber ler e nem escrever no Japão. Se para um estrangeiro já é difícil, imagina essa situação para um japonês que vive no seu próprio país.

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Japonês supera o analfabetismo e aprende a escrever uma carta de amor.
Tamotsu Nishihata (esquerda) e sua esposa Kyoko (direita). A história do casal virou tema de rakugo no Japão. Foto: Tamotsu Nishihata.

Isso foi o que aconteceu com um homem que passou a maior parte da sua vida incapaz de ler e escrever nenhuma palavra da língua japonesa. Tamotsu Nishihata, 85 anos, morador da cidade de Nara, abandonou a escola quando era criança. Sofrendo bullying dentro da escola, ele desistiu de estudar ainda na segunda série do primário. Quando tinha 12 anos ele começou a trabalhar, ajudando a sua família no comércio de carvão.

Já na idade adulta, Nishihata foi trabalhar em um restaurante. Seu maior medo nesse trabalho era atender o telefone do estabelecimento. Como não sabia escrever, ele não anotava os pedidos dos clientes que telefonavam no restaurante, deixando toda a equipe do local de trabalho com muita raiva dele. "Alguns funcionários do restaurante me ajudavam, escrevendo os pedidos dos clientes para mim. Mas, nem sempre todos os colegas me ajudavam. Comecei a ficar infeliz com o trabalho e acabei pedindo demissão do restaurante", disse ele.
 
Por causa do seu analfabetismo, Nishihata frequentemente mudava de emprego. Só depois dos 30 anos que ele conseguiu um emprego permanente num restaurante de sushi. O novo local de trabalho o simpatizava e entendia os seus desafios.

Quando tinha 35 anos, Nishihata conheceu a sua esposa, Kyoko. Ele se apaixonou por ela à primeira vista durante um encontro de "omiai" (encontro arranjado entre um homem e uma mulher para fins matrimoniais).

Mesmo depois de casado, Nishihata tentou manter o seu analfabetismo em segredo. Um exemplo: durante a viagem de lua de mel do casal, na hora de fazer o check-in em um hotel, Nishihata disfarçou a sua incapacidade de escrever e foi ao banheiro, deixando a sua esposa sozinha na recepção preenchendo os formulários da reserva do quarto.

A verdade veio à tona seis meses depois do casamento. Nishihata achava que Kyoko iria pedir o divórcio por ele ser analfabeto. Entretanto, a esposa simplesmente disse o seguinte a ele: "Deve ser muito difícil para você viver dessa forma. Vou te ajudar".

A reação positiva da esposa foi tão inesperada que Nishihata começou a chorar de alegria. Desde então, Kyoko o acompanhava para resolver assuntos complicados em repartições públicas, bancos e hospitais. Ela também escrevia documentos para ele quando necessário.

"Não conseguiria imaginar a minha vida sem ela. Kyoko era uma ótima esposa", disse Nishihata.

Em 2000, quando Nishihata estava com 64 anos, ele decidiu se aposentar do seu emprego no restaurante de sushi. No mesmo ano, ele se matriculou na escola ginasial de Kasuga para ter aulas noturnas de alfabetização. As aulas eram cinco dias por semana, para estudar japonês desde o básico. Assim que iniciou a leitura dos artigos de jornais, Nishihata começou a sentir a alegria de aprender.

Quando tinha 71 anos, Nishihata decidiu escrever uma carta de amor para Kyoko. Com a ajuda de um dicionário, ele escreveu uma carta de sete páginas onde demonstrava toda a sua gratidão pela esposa maravilhosa que era. 

No dia de Natal de 2007, Nishihata entregou o "seu presente" para Kyoko. No início da carta, estava escrito o seguinte: "Estou aqui por causa do seu apoio". Com lágrimas nos olhos, Kyoko disse: "Você fez um ótimo trabalho".

Infelizmente, Kyoko veio a falecer em 2014. Mesmo com a morte da esposa, Nishihata continuou a frequentar as aulas noturnas e se formou na escola durante a primavera do ano passado. Atualmente, ele adora escrever e trabalhar com ensaios poéticos.

Shofukutei Teppei, um famoso contador de Rakugo (um monólogo humorístico muito tradicional na cultura japonesa), soube da história de Nishihata e ficou muito comovido com o vínculo profundo de vida entre o casal. Teppei conheceu pessoalmente Nishihata e transformou a história dele, de amor e superação, numa obra de não ficção de rakugo.

"Nem nos meus sonhos mais loucos imaginei que a minha vida se tornaria um tema de rakugo. Espero que a minha história contada no rakugo ajude o público a entender as dificuldades daqueles que não sabem ler ou escrever e escondem isso por vários motivos", disse Nishihata.

Teppei irá apresentar a história de Nishihata, em forma de rakugo, no teatro Mokubatei de Tóquio, no dia 21 de outubro. No dia 7 de novembro, a apresentação de Teppei será no Asahi Seimei Hall em Osaka. Nishihata disse que está planejando ver a peça sobre a sua vida.


Fonte: The Asahi Shimbun.



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